sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Dica de leitura: “Infiel”, de Ayaan Hirsi Ali.

O livro recebeu o nome “Infiel”, que literalmente significa "sem fé", que é o termo usado especialmente pelos muçulmanos para designar quem não tem crenças religiosas, ou que duvida ou rejeita os dogmas básicos desta religião, acredito que pelo motivo de fazer profundos questionamentos ao exercício da fé cega, nos provocando e nos fazendo avaliar as condutas e as consequências desse sistema político-religioso.

A obra não irá tentar lhe converter ao islamismo e nem mesmo fazer apologia à fé, é uma obra descritiva da vida das pessoas submetidas a esse sistema. É daquelas leituras que do começo ao fim escancara a realidade, a hipocrisia religiosa, expõe as fragilidades dos dogmas e das promessas de felicidade e abundância de vida plena.

Prepare-se para a biografia comovente e emocionante de Ayaan, uma mulher nascida em um dos países mais miseráveis da África – Somália, e, contrariando todas as expectativas de vida das Somalis, se rebelou ao sistema opressor e com muita luta chegou ao parlamento holandês.

A narrativa é impressionante, sobretudo para nós ocidentais que vivemos numa realidade de aparente liberdade de expressão. É difícil imaginar a vida de Ayaan naquela violência diária, onde nenhum desejo lhe era permitido, aos cinco anos de idade sofreu clitoristomia, suportava surras frequentes de sua própria mãe e fraturou o crânio após ser espancada por um pregador do Alcorão.

Outro detalhe absurdamente entristecedor dessa leitura é perceber a ausência de segurança e estrutura familiar – os filhos, vítimas da própria sorte emocional, com a mãe preocupada com o cumprimento das obrigações religiosas, o pai, quase sempre ausente, pois era um importante opositor da ditadura de Siad Barré e em consequência disso, a família fugiu para a Arábia Saudita, depois Etiópia, e finalmente no Quênia.

Ayaan presenciou vários níveis de submissão à cultura muçulmana, e aos poucos foi analisando a situação e mudando seu pensamento, sobretudo após ser obrigada a casar-se com um marido que o pai escolhera. A análise psicológica que a autora faz de si mesma durante o relato é maravilhoso e profundo, ela se questiona o tempo todo a respeito do que estava fazendo e do que estava sentindo, se sente culpada pelo simples fato de questionar-se e de avaliar se era certo ou errado, justo ou injusto, e quanto mais entendia os seus sentimentos, mais percebia e sentia a necessidade de rebelar-se contra os costumes muçulmanos rigorosos, com os quais não mais concordava.

O livro é uma aula de amor-próprio, de democracia e de liberdade. Além dela se questionar e contestar o sistema, ela explica e fundamenta suas atitudes e decisões, nos fazendo entender muitos meandros desse sistema.

Ayaan acabou fugindo e se exilando na Holanda, onde pode vivenciar os valores ocidentais iluministas da liberdade, igualdade e democracia. Passa, então a adotar uma visão cada vez mais crítica do islamismo ortodoxo, concentrando-se especialmente na situação de opressão e violência contra a mulher na sociedade muçulmana. A partir de então, ela passa a lutar para ajudar outras pessoas que como ela não mais aceitavam essa submissão, porém, muitos obstáculos testaram sua força.

Impossível não se revoltar ao ler a descrição da luta de Ayaan, da forma como ela viveu sua infância, sua adolescência e como transcorreu sua libertação desse sistema que além de toda violência real, havia a violência emocional, a culpa e as mágoas. Ao ler, nos colocamos em seu lugar, pensamos como ela e nos indignamos com a ingenuidade daqueles que tem o poder de fazer a diferença, mas que por muitos motivos, e até por acreditarem ser exagerados os relatos de violência, nada fazem.

O livro é incrível. É mais que uma biografia. É um relato histórico a respeito de vidas dilaceradas por um sistema político-religioso que dá sustentação à violência praticada dentro das casas pelos próprios familiares. Como ela mesma diz em seu livro, quando dogmas dão guarida para que uma pessoa use de força para garantir que sua vontade prevaleça acima do outro, percebe-se que há algo equivocado e que a violência está presente. E continua: dizer que o Islã, ou que o Alcorão prega uma religião de paz, quando na verdade funda sua linha dogmática em submissão e ausência de questionamentos, descortina-se a fragilidade dessa paz, de suas orientações religiosas e das condutas humanas. Realmente, é um livro histórico e que nos faz pensar profundamente em toda essa questão.

Ayaan se tornou conhecida mundialmente por sua luta pelos direitos da mulher muçulmana e por suas críticas ao fundamentalismo islâmico. A revista Time a incluiu entre as cem pessoas mais influentes do mundo. Ela merece nosso respeito e admiração pela força e pelas atitudes corajosas, e, sobretudo, pela persistência em lutar contra costumes tão fortemente enraizados e que tantos sofrimentos causam.

Terminei o livro muito impressionada. Aprendi muito e recomendo essa obra fascinante.

Fiquei ainda com mais vontade de conhecer novas filosofias, religiões e costumes para entender e aprender mais sobre essa diversidade que temos em nosso mundo. Jamais me sentirei no direito de julgar ou de criticar - e não o estou fazendo, apenas esse post retrata o que senti e o que aprendi ao ler essa obra.

Boa leitura!

3 comentários:

  1. Olá! Muito prazer!
    Infelizmente nem tudo são flores, perfumes e tapetes no mundo... Algumas pessoas interpretam a religião de uma forma diferente, errônea... Daí surgem os conflitos! Porém quando se ama o próximo como a si mesmo, passamos a agir de acordo com os ensinamentos do PROFETA. E então a submissão a ALLAH deixa de ser imposição e sim adoração!
    Infelizmente em algumas culturas, mesmo Islamistas, acontecem algumas interpretações complicadas, daí surgem terroristas propagando todo o tipo de violência , desordem e caos! Em nome de ALLAH? Não!
    A Paz esteja convosco!
    Elizabet

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    1. Oi, obrigada pelo seu comentário! Concordo plenamente contigo! Infelizmente pessoas fanáticas existem em todos os seguimentos da sociedade, inclusive no religioso... o que infelizmente traz prejuízos e dores para todos.
      Estou certa que, assim como o Cristianismo, o Islamismo busca a paz, amor e a harmonia de todos.
      Que a paz esteja contigo também e que o futuro seja de paz e compreensão entre os povos!
      Gostei muito de sua visita, volte sempre!
      Lisiê.

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